Alguns dias depois de lê-lo me encontro aturdido em suas inquietações, ele não me deixou após posto na estante, permanece no ar como se sempre estivesse ali, até esquecermos e não percebermos que somos esta personagem coletiva da sociedade, a qual ELE nos denuncia.
Carta ao Pai (KAFKA, Franz, Tradução de Marcelo Backes -- Porto Alegre, L&pm 2006) estava há tempos na estante, compromissos e outros afazeres não deixaram este sair daquela posição, acumulava uma fina camada de poeira quando resolvi adotá-lo para me fazer companhia no final do expediente, é sempre assim, quando menos esperava já estava inserido no mundo kafkaniano, um mundo peculiar e sempre apto a me surpreender, um mundo subjetivo até os dentes, pronto a questionar o que entendemos por fixo, quando tudo criado pela sociedade antes de mais nada foi, criado, como as relações sociais.
A então obra mais íntima de Kafka se revelou a mim muito parecida as demais obras literarias, onde observamos o narrar pugente, onde o autor toca-nos o âmago (ou mesmo nos dá um soco na cara) com o leve desfilar de palavras que mais parecem "o grito de um cárcere dentro de um sonho de liberdade", a obra de Kafka marcada pelo tom subjetivo e de reflexo a uma sociedade alienada e perseguidora, Em a Carta a chance do leitor identificar o autor como este mesmo, em sua relação a qual mais se mostrou marcado.
Dois casamentos rompidos, um emprego insatisfatório, a relação com os familiares vez conturbada vez desconfortante, a carreira de escritor pouco valorizada, nada disso seria mais marcante (ou nem teria acontecido como o autor nos faz acreditar) se sua relação com o pai fosse diferente, Carta ao pai, manuscrita entre 10 e 19 de novembro de 1919, são mais de cem páginas onde o estudante de direito descreve a relação com seu progenitor que por vezes o chama de Deus ou imperador, relação esta marcada pelo autoritarismo de Hermman Kafka que trava uma disputa com o filho, o trata como inimigo e aos poucos atos que reporta ao filho deixa neste cada vez mais a posicionamento de superioridade, apesar dos relatos de opressão, a carta foi escrita como forma de acalmar os animos entre os dois, relatando as angustias, Franz escreve coisas guardadas por toda sua vida, aqui o autor tinha 36 anos e descreve desde sua infância, seu relacionamento com os familiares especialmente com a irmã Ottla, sua carreira profissional junto o oficio de escritor que desempenha aos então relacionamentos amorosos e tentaivas de casamento, a relação com o pai, vai influenciar a todos estes, a impressão de inferioridade permeia a carta nos diversos aspectos da relação pai e filho, seja na educação seja no alheamento que Herman o faz.
"Tu eras a medida para todas as coisas" diz em certo trecho, o próprio ato de casar para Kafka seria tentar escapar das "barbas" do pai, "as tentativas mais grandiosas e esperançosas de escapar de ti, [...] grandioso tambem foi o fracasso" diz num trecho da carta, temos a impressão que o escape do filho nunca seria concretizado visto o grau de opressão recebida da mão do progenitor, que nunca tocou no filho, mas que o mesmo descreve que os gritos, a vermelhidão do rosto eram quase piores para ele, "É como quando alguem será enforcado, se realmente é enforcado, morre e acaba tudo. Mas se tem que presenciar todos os preparativos para o enforcamento e só fica sabendo do indultoquando o laço pende diante do seu rosto, nesse caso ele talvez venha a sofrer a vida inteira por causa disso." diz em outrotrecho na carta.
O Casamento seguido da formação de uma familia seria o máximo que um homem poderia chegar diz Kafka e este "máximo" que descreveu é para Hermman um "mínimo", estabelecendo bem aí a noção de hierarquia e dominação paterna, percebamos o valor psicologico do manuscrito que tem amplo campo na aréa, onde este humilde blogueiro não vai se aventurar, mas como Marcelo Backes entende, "a carta não deve ser entendida apartir do complexo de Édipo e sim o complexo pela carta", Kafka é um entendedor das minúscias da mente humana, esta visão opressora seria revista em maior ou menor grau em todas as obras do autor (A metamorfose, O Processo, etc...) onde declar na Carta "Minha atividade de escritor tratava de ti, nela eu apenas me queixava daquilo que não podia me queixar junto ao teu peito".
A carta nunca foi entregue ao pai.
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